Fantasma de Uma Coisa Boa

quarta-feira, 17 de julho de 2013


Em uma dessas noites em que eu saía escondida quando meus pais já estavam dormindo, esse cara me perguntou em que dia eu havia nascido. Eu já estava até me acostumando com isso: com as perguntas, com as noites fora de casa, com o cara que eu nem lembrava mais como conheci.

Ele então perguntou se eu sabia onde ficava a constelação de Gêmeos. Quando eu respondi que não e que não acreditava nessa bobagem de signos, ele disse que eu era uma menina muito diferente das que ele conhecia. Eu sei que ele quis dizer que eu era estranha, mas talvez fosse muito educado para isso. Ou então aquela veia poética dele considerava o estranho como especial.

Ele disse que a poluição tornava as coisas difíceis, mas que se eu olhasse em tal direção e inclinasse a cabeça de tal maneira, veria dois irmãos pintados em estrelas no céu. Ele me perguntou se eu conhecia a lenda. Ele não me deixou responder e logo começou a divagar sobre um gêmeo imortal e um gêmeo que já fora levado para o reino dos mortos por Hades. Ah, sim, mitologia grega. Então o irmão que nunca morreria não suportou o peso de viver uma eternidade sem o outro e um dos deuses do Olimpo se compadeceu de sua dor. Ele uniu os dois novamente e para sempre os desenhara, assim como minhas mãos conduzidas pelas mãos daquele cara faziam, na tela escura do céu da meia noite.


Castor e Pollux

Eu encarei por tanto tempo os pontos brilhantes a incontáveis anos-luz à minha frente que esse cara me perguntou se eu acreditei no que ele me contara. Eu respondi que não, é óbvio, mas era uma mentira. No fundo eu só queria que alguém sentisse tanto a minha falta que pudesse desistir da eternidade por mim.

Naquela noite, eu e aquele cara nos beijamos. Não sei muito bem o que senti no momento, mas sempre que me pego olhando para as estrelas, me lembro dele. Eu sei que, em algum lugar, ele pode estar fazendo o mesmo.

Aquela noite foi a última vez que nos vimos. Alguns anos já se passaram, mas eu gosto de pensar que, depois do aceno displicente e do sorriso encabulado que marcaram nossa despedida, aquele cara sentiu tanto a minha falta que desistiria do para sempre por mim.

(escrito em agosto de 2009)

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